segunda-feira, 25 de maio de 2009

Leituras desnaturadas II

Só leio quando tenho tempo. Mas não é porque não dá tempo de ler, sempre dá. A questão é que geralmente quando estou sem tempo não leio porque essa atividade só combina comigo quando prevejo vários e vários dias com algo de tempo ocioso. Se, por exemplo, tenho o dia livre hoje, mas sei que amanhã nem depois o terei, não leio. Porque, veja bem, em um dia só dá pra ler um livro de 100 páginas - quando você está "naquele" ritmo. Esses outros livros que você se envereda se lidos "naquele ritmo", aí te tomam uns cinco dias. Então, não. Sempre me recuso a começar a ler um autor que gosto muito para depois não continuar.

Aí nesses dias de ócio isolado leio um livro digamos de poesia menor. Que se não acabados não trarão prejuízos. Agora, toda essa explicação não quer dizer que não deixo livros semilidos por aí. O mais semilido de todos na minha prateleira é Ontologia da Realidade de Humberto Maturana. Não sei ler esse livro. Preciso de mais decepções, risadas de criança e dias de encontros inesquecíveis para poder entendê-lo. Lembro que já tive uma relação assim com um outro livro, mas no final li e consegui me desapegar. É desapegar, porque, veja bem, depois da sétima cortina da minha mamória - mesmo que lá no fundo - durmo e levanto com essa ontologia, trabalhando meu cerébro e minhas associações intelectuais para a leitura. Um dia.

Toda essa relação com livros, aqui descrita de maneira enfadonha, tem a ver com aquela visão tão clara de mim, sozinha em casa, por volta dos 7 oito anos, entrando no quarto de estudo - como a gente chamava o que as pessoas chamam de escritório - e vendo do lado direito no inicio da prateleira, Morangos Morfados. Que na verdade sempre ficou na minha memória associado a Morangos verdes fritos... Porque os dois são muito pesados. Mas sendo sincera eu nunca li esse livro. Porque não se pode dizer que uma criança de 7 oito anos tenha entendido uma vírgula dali. A verdade é que passam de 50 cem as vezes que abri Morangos Morfados, folheie, li alguns trechos e tornei a colocar na estante. Tanto parece que li que não tenho curiosidade nenhuma de buscá-lo hoje em dia.

Essas visões de mim no quarto de estudo são muitas. Momentos sempre meus sozinha em casa e, sim, quem falava comigo eram os livros. Eram as vozes que eu escutava - obviamente, além daquelas dos personagens que moravam no meu apartamento, cada um em um quarto, como numa vila, onde eu era super popular. Fora essas vozes, quem falava comigo eram os personagens de todas e qualquer página que minha mãe tivesse colocado naquelas prateleiras. É por isso que hoje não vejo problema nenhum em não gostar do jeito de escrever de um autor ou do próprio enrendo. Não descarto o livro por causa disso, posso até dar um tempo. Ler sobre ele em outro lugar. Ficar lendo páginas alternadas. Tentar entender pelo menos que desgraça sucede ao coitado que não atrai. Entender sua existência mais ou menos. E também o faço quando é estupendo. Essa coisa fora de mim que me causou Macabéa ou Cronica de uma morte anunciada. Quero saber como aquelas páginas existem daquele jeito que brilha e isso é muito além do terminar de ler um livro. Fechar e não tirá-lo da mente por muito tempo. Entendo que é mesmo assim que fazemos com as pessoas.

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