domingo, 29 de março de 2009

Se Rita gritasse

Esperar era o que lhe possuía. O gozo enfático tardio penetrante que se depositava no instante seguinte àquele em que Mateos havia cercado Rita com vigor... Ele a cercava com mais braços do que ela podia compreender, já assim ela gozava. Antes mesmo de qualquer toque, durante as horas em que se olhavam, entre semelhanças e afinidades, no dizer longínquo de seus anseios, Mateos exalava algo de incontrolável em Rita.
Ela bebia mais goles do que pretendia e mais do que suportava, ria assustadoramente calma, idas à porta, pensamentos distantes... “Hum, hum... sei...” Risadas, muitas. Era o que conseguia quando se via tomada pelo gozo preliminar que imaginava ser do feitio de Mateos. Ele tinha realmente algo que a fazia tilintar por dentro... Que ela controlava para não ser fora.
Talvez um dos dois soubesse o que estava por vir... E o outro adivinhasse pelos gestos de um. Era preferível que não se pensasse nisso agora, ela gostava de comparar sua risada com o que imaginava ser seu beijo. Ele comparava seus gestos contidos com o que poderia ser sua malícia. E, mesmo na varanda, o vento tinha algo de suspiro, gemido... O chão tinha mesmo, não fosse a estranheza da primeira noite, algo de cama.
Fingiram muito que ali não se passava nada além de afinidades inocentes. E se enveredaram por uma duradoura noite de observâncias entreolhadas e toques impessoais. Mais um pouco, estariam fartos dessa falta de romantismo que denunciava um desejo inseguro em ser. Cansaram, preferiram o sofá... Que tinha, não fosse a estranheza da primeira noite, algo de cama. Ela queria que ele dissesse. “Quero deitar no seu colo”. Afastaram todos os objetos, inanimados... mochila, cigarros, carteira, cds... Inclusive a máquina fotográfica que momentos antes havia permitido que ela imaginasse sua boca mais perto do que conseguira durante toda a noite. Eles demonstram desinteresse pelo porvir que os cercava, afinal essas coisas não têm apenas uma maneira de terminar.
Desinteressadamente, Rita pôs-se a acariciar o rosto de Mateos que alternava em ritmo com leves passadas de dedos em suas pernas. Tolos, Rita e Mateos ignoraram que já não haviam mais bifurcações nesse caminho...
Esperar o gozo era idêntico a ele em si... Gozar de pensar não é uma novidade nem para os amantes nem para os escritores. Rita ainda podia sentir um tremor ao lembrar do abraço que sucedeu o gozo. E lembrava do movimento leve da mão forte de Mateos e de como sentiram frio, durantes horas, pela simples imobilidade que garantia o calor do outro corpo. Compartilhar angústias num ato de amor significava mais que “juntos para sempre”. E intrigava a Rita como Mateos podia dar tanto de si e ser tão livre. Não sabia ela que a fórmula, assim, sem tirar nem pôr, estava completa.

Nenhum comentário: