domingo, 29 de março de 2009

Antonieta Benéfica

Antonieta Benéfica não escreve mais uma palavra. Foi amortizada pela dor de um casamento falido e percebeu que havendo ou não poesia, a vida é o que está posto. Vivendo cada momento por vez ou realizando todo o protocolo, seu romance não era inédito, nem naquela cidade, nem procurando a muitos quilômetros dali. Até algumas semanas atrás ela insistia que tudo, tudo em relação ao seu romance era mágico: a maneira como se conheceram, como se reencontraram, como se casaram... Inclusive, à época, todos concordavam com ela. Lindo os dois juntos. Um primor de casal. Os parentes num regojizo só. Acabou, Benéfica. Era mágico porque era seu, como o meu é para mim. Mas você sabe, não é obrigatório que dure para sempre. Até a Igreja já desistiu. Poeticamente, a morte de que falamos quando juramos ficar juntos “até que a morte nos separe” é a morte do casamento e não a física daqueles que juram. Faz um favor, Benéfica, vê se entende.
Era uma infelicidade ter que convencer alguém daquilo que esse alguém não quer ser convencido, porque – eu sei - sofrer após uma perda é necessário como qualquer uma das seqüências inevitáveis da vida (fecundação-gravidez; afinidade-aproximação; extrema sensibilidade-arte...). Mas, era necessário também que eu dissesse a ela que não atendesse ao pedido da desolação. Dizer que não sabia o que fazer agora? Por favor! Acordar, tomar café da manhã, ir trabalhar, se esconder no banheiro para chorar, ir almoçar, cumprimentar as pessoas na rua, lembrar que passava ali com ele e ter saudade, engolir o choro porque agora está na rua, anotar tudo que tem para fazer, se possível preenchendo todos os espaços da agenda, incluir “Não ligar para ele” ou coisa do gênero. Ridículo, pois sim. Mas de alguma maneira funcionaria como uma voz externa, vigilante e repressiva caso Benéfica tivesse uma recaída e eu não estivesse por perto. Para ela, em especial, o controle externo era fundamental, pois teimava nessa crença nas coisas mágicas, na força do amor. Acreditava que dizer aquilo que sentia, ser honesta, pedir a ele um minuto de atenção para escutar a última coisa que ela tinha a dizer... Acreditava que, após ouvi-la, ele até poderia ir embora, mas estaria, a partir daquele momento, tão sensibilizado por ter sido levado a outra dimensão – mágica, sensual e acolhedora –, pelas palavras de Benéfica, que a única reação restante era admitir que sim, a separação era um erro. Um erro é você acreditar nisso, criatura! Você sentir não quer dizer que essa coisa que te assola aí dentro vai emanar de teus pontos de acesso e contaminá-lo. Não temos esse controle das coisas, Benéfica. E você sabe, nem preciso te dizer isso. Chora, Benéfica... Faz de tudo para chorar tudo de uma vez, sem parcelas. Aí você vai poder dar um ponto final nisso tudo
Não podia dar ponto final. Benéfica seguia falando, insistindo, e eu... Bem, não era falta de paciência ou compaixão minha. O problema é que ela não entendia que tinha que ser assim. Não sei com quem ela conversou ao longo da vida sobre o amor, o que ela aprendeu sobre estar com alguém, se ela sabia de todas as etapas conhecidas e categorizadas do amor: atração física, paixão, rompimento ou não, estabilidade e, por fim, os dois se transformam em outro alguém, que podem continuar fazendo parte da existência um do outro ou não. Essas cláusulas são assinadas tacitamente e aquele que desfaz o contrato não está obrigado a reaver prejuízos. Estar com alguém, eu repetia, e não ser de alguém. Todo esse processo não era segredo para ninguém. Mas não. Ao invés disso, Benéfica seguia com o pensamento mágico. Mas por que não deu certo, se o sentimento era indizível, se em cinco anos o calafrio do toque nunca cessou? Seguia resmungando, lamentando... Valha-me deus! Queria descobrir sob que regras ela se relacionava. Faz um favor, Benéfica, vê se entende. Porque mais um pouco disso e sofro também.

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